2006/05/15

GM

GM, era magra, doente de magra, tinha mãos calejadas de esfregar o chão, mas não era feia, era marcada.

Eu era ignorante e novo, andava lá por casa em empréstimo de férias, todos os aninhos, ria-me com ela e ria-me dela.

Perdia as tardes a olhar para o erotismo das National Geographic que o meu tio colecionava. Ela, com um ar cúmplice, como aquilo fosse coisa pouco recomendável, sentava-se ao meu lado entre espanadelas dos móveis. Já estava assim “para o” velha aos 23 anos. Aos 14, 23 era lá para o fim do século, era longe, era dali a muito, muito tempo. Eu era burro que doía.

Numa tarde, GM, sentou-se ao meu lado enquanto eu olhava deliciado a nudez de uma índia sul-americana. Ela perguntou-me se eu ia para cama com “aquilo”. Era racista, como todo o bom empregado é. Os patrões são sempre coniventes com esse racismo dos que recebem do seu bolso? À mesa nunca são. Isso, eu sabia.

Poucos sabiam e sabem, algo que eu atribuo a demasiada telenovela, demasiado cliché, da menina rica, má, racista, a empregada pobre, boazinha. A verdade? Não há diferenças, a primeira sabe é comer à mesa e se isso for importante, faz toda a diferença, se não for. Não é.
GM, não seria mesmo racista, não tinha consciência desse facto, era bruta, criada à força de chapada e gritaria, primária nos instintos. Eu gostava dela, fazia bons bifes e parecia ter um genuíno interesse pelos disparates que eu ia dizendo. No fundo, era boa pessoa.

Passei ao lado da classificação feita à índia, ela ria e percebia o meu embaraço. Normalmente ela iria à sua vida, mas estava calor, era Verão, estava um calor seco, daqueles que já não se usa.
- Se eu me despisse ias para a cama comigo?
O sangue subiu-me à cara, pensava nos meus tios a entrarem pela porta, olhava para ela com cara de parvo, a perceber a sua fome, tão grande e desesperada, que considerava recorrer a um ciaxa de óculos e acne juvenil. Levantei-me e corri para o quarto dos fundos, envergonhado e de pernas a tremer.

Passaram-se horas. Não arranjava coragem para sair dali. Adormeci.
Uma mão áspera como uma lixa acordou-me, GM na borda da cama fez-me sinal para que me calasse e disse.
- A porta está trancada.

Despiu o avental e o vestido creme, feio, tirou umas cuecas da mesma cor desmaiada.
Era tão magra, ossuda, seios muito brancos, pequenos. Ficou ali imóvel. O meu corpo traiu-me, ele olhou-me com simpatia e ajoelhou-se, devagar tirou-me as calças.
Foi rápido como uma flecha, lembro-me do nervosismo, de como eu tremi do princípio ao fim, de ela não ter dito uma só palavra e só ter abanado a cabeça em sinal de assentimento quando eu explodi dentro dela. Ela saiu para nunca mais voltar a entrar no quarto.

Meses mais tarde, soube que voltou à terra. Encontrei-a dois anos mais tarde, por acaso, na baixa do Porto, tinha casado. Passou-me a mão pela cara mais uma vez e sorriu.
Eu disse-lhe obrigado e nunca mais a vi.

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