Era de tarde, estávamos numa praia à qual fui duas vezes na vida, esta era a segunda e não me espanta que seja a última.
Na primeira ida, a minha bendita senhora sentou-se com as crianças ao lado de um grupo de halterofilistas amadores e suas respectivas donzelas, umas meninas com costas de nadador profissional de mariposa com a agravante de não saberem nadar “à cão” sequer. Umas meninas de traseiro musculado e fio dental, umas “Sónias”, com um ar feroz e que não andam, desfilam, pavoneiam-se e olham pelo canto do olho para o efeito provocado. Tudo isto com os respectivos armários de tanga a rosnar em redor que precisavam de exercitar as pernas.
E Pumba! Lá iam eles a correr para o mar com grande estardalhaço e sonoro chapão na onda de 27,5 cm, saindo de lá a ajeitar o “pacote” no meio de uma confusão de espuma e areia.
Posso jurar que cada vez que o faziam voltavam com menos 10 pontos no QI, provavelmente porque à força de enfiar com a tromba na areia em cada mergulho, alguns dos solitários neurónios decidiam fazer-se à vida.
Milhares de neurónios vindos das duas margens do rio reúnem-se no meio e são há anos absorvidos por golfinhos, é por isso que estes, embora raros, são dos mais inteligentes no mundo.
Ora este comportamento, sendo estranho, creio que tem directa relação com o facto de termos violado uma das regras fundamentais das praias portuguesas. Chaque macace dans son galhe.
A culpa era nossa.
Temi que a segunda ida a esta praia tivesse o mesmo resultado, não foi assim. Desta vez, respeitaram-se as fronteiras tacitamente estabelecidas entre diferentes castas sociais. Facto incontornável em qualquer praia do país e que obedece a rituais precisos.
Por exemplo, havendo liberdade total de deslocação nos vastos areais portugueses, é sabido que há uma parte onde se agrupam os meninos bem e uma parte saloia, com fronteiras bem definidas, como na Praia Grande onde para lá do Angra estão os betinhos, em primeiro lugar as famílias numerosas, depois os grupos fashion (malta solteira ou divorciada sempre na moda e sempre à caça) e lá para o fundo os fashion alternativos (gente que passa férias na quinta do Balsemão e faz ioga).
Do lado de cá e até à piscina fica o resto, os saloios, mais os surfistas, muito juntinhos uns aos outros o que é outra característica do lado mais popularucho da praia, a necessidade de compartilharem em alegre intimidade um espaço comum.
Este estado de coisas ocorre em qualquer praia, de norte a sul do país, a violação destas regras origina sempre chatices. Uma família beta no lado popularucho põe todos nervosos e vice-versa.
Tudo corria bem, tudo estava feliz e contente, estando eu a olhar pelos miúdos que faziam ameaças rituais de que se iriam atirar á agua, uma gritaria infernal que me impediu de prestar atenção a um fenómeno estranho que se passava nas minhas costas.
Só quando um estranho silêncio se abateu sobre a praia é que olhei para trás, assisti a uma debandada geral, gente a agitar freneticamente os braços e toalhas, até a minha mulher agitava os braços fazendo estranhos sinais.
Olhei em volta e só vi três moçoilas pretas o que é manifestamente pouco para causar um ataque histérico daquele lado da praia, eram moçoilas grandalhonas mas mesmo assim não via justificação, polícias de choque nem vê-los, pelo que me inclinei para um elemento do Bloco de Esquerda munido de uma câmara de filmar, sendo que só um justificaria a debandada, mas também não vi nenhum.
Lá peguei nos miúdos e dirigi-me ao repositório de baldes e pás, para perceber que uma gigantesca nuvem de minúsculos mosquitos cobria toda aquela zona.
Mosquitos completamente alheados das convenções vigentes e aceites, mosquitos que tratavam todos por igual, incomodavam todos da mesma maneira e obrigavam todos, sem olhar a raça, credo ou condição social, a ir para casa, mosquitos governamentais, imbuídos do mesmo espírito que marca os socialistas modernos.
Mosquitos da terceira via.
Em coisa de minutos puseram todos, brancos, pretos, ricos, pobres, todinhos dali para fora á força de picadas.
Pelo caminho, olhávamos uns para os outros, pela primeira vez unidos pela flagrante e vergonhosa violação das convenções que tantos anos demorámos a construir, todos conscientes que com mosquitos destes não há volta a dar.
2006/05/30
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